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A definição de tempo nas desigualdades brasileiras

Foram mais de mil e duzentos quilômetros de vários sentimentos. Até então pedalei por várias localidades pouco urbanizadas e com muita gente extremamente acolhedora. Passei por Marabá-PA, São Luis-Ma e Fortaleza-Ce com características urbanas de grandes metrópoles, correria no trânsito, pessoas com celulares e fones de ouvido em uma atividade mais intensa ao subir e descer de Ônibus e táxis. Mas a principal característica desses grandes centros urbanos eu me esqueci, abandonei da memória. Enterrei bem longe do meu cotidiano. A violência.

Passei por cidades localizadas na Transamazônica, no Maranhão, Piauí e Ceará que me fizeram esquecer o medo que tinha de ser assaltado. Quando dormia na casa de pessoas que nunca tinham me visto na frente, que me davam comida e ainda abriam as portas de suas casas e quando ia embora no dia seguinte, ficava um gosto triste e feliz. Feliz porque eu havia encontrado pessoas maravilhosas e por ter tido mais uma boa noite de sono acordando bem para pedalar. Mas triste por ter desfrutado da companhia, das histórias e do ritmo de vida calmo que elas levavam. Até nos postos de gasolina que paramos pelas BR’s do Brasil, fomos bem acolhidos pelos vigias e caminhoneiros que ali passariam mais uma noite para levar suas mais variadas cargas para abastecer o país nos locais mais longínquos e distantes dos centros urbanos que o Brasil abriga.

Quando cheguei em um condomínio fechado, em uma grande capital, não percebi que a noção de tempo/espaço tinha mudado. O tempo não evolui mais depressa ou mais devagar. Segundo Newton ele é uniforme, constante. Mas segundo Einstein, o tempo perde seu caráter absoluto. Para ele as medidas de tempo são relativas e dependem da velocidade de um observador em relação a outro. Eu fico com Einstein. Nas grandes cidades o tempo passa mais rápida e estressantemente. Todas as casas lembram as jaulas da segurança que confinam nossa liberdade. Não falo isso somente pelo fato do furto das bicicletas que moviam o projeto Desbikelando. Digo isso pela atmosfera que envolve as nossas atitudes. No condomínio fechado, quando travei as bicicletas no estacionamento e subi para o apartamento que nos acolheria, esqueci-me das preocupações que tive ao dormir e atravessar locais com pouca gente (como o medo de onças, sapos venenosos e sucuris). Esquecendo que o tempo era de novas preocupações. Esqueci que o tempo das grandes cidades com sua correria era diferente dos locais a beira das BR’s e dos vilarejos onde ainda existe um tempo que corre de forma mais lenta, em que vizinhos pegam as cadeiras e se sentam à noite, na rua, para bater papo e crianças brincam sem “ganhar vidas” nos aplicativos de celulares, mas gastando-a na correria pelas ruas com poucos carros. Eu acredito sim que um minuto em uma cidade como Cana Brava ou Paulino Neves seja muito mais lento e prazeroso do que um minuto nos grandes shoppings e engarrafamento das capitais. Eu vou aos shoppings e também me entrego aos prazeres das compras e dos fast-foods. Mas que realmente uma passagem por áreas mais distantes dos grandes centros urbanos e com menos poluição sonora, visual e atmosférica nos faz bem, isso é inegável.

Somo um país mais urbano que rural, somos um país com muitas desigualdades. E essas desigualdades motivam muitos dos embates políticos que estão causando a atual convulsão política em nosso país. Convulsão essa que acompanhei de longe por motivos de falta de TV, jornais e internet. Quando tinha acesso rápido a algum veículo de informação via coisas que me deixavam boquiaberto como “Lula foi preso” “Dilma cai” “Eduardo Cunha barra o próprio processo de impeachment”, tudo isso junto com a população promovendo quebra-quebra a favor de um ou outro partido político. Tentava conversar com a população dos locais em que estava e pouca gente tinha uma opinião ou conhecimento para realmente debater essa convulsão que tomava conta do país. Percebi que aqui ainda se escuta mais do que se fala. Se não sei ou não tenho certeza, eu escuto. Essa é uma regra da vida muito importante. Acredite, ela é muito importante. Então entendi o porquê de uma parcela da população do sul/sudeste fazer deboche ou manifestar preconceito contra grande parte do norte/nordeste! É por inveja e ignorância. As pessoas do sul se acham tão inteligentes com opiniões tão certeiras e viscerais a ponto de todos os outros que discordam, estarem errados. Quem realmente aí em São Paulo tem o direito de reclamar tendo eleito um deputado tão polêmico quanto é o Tiririca para o segundo mandato? Quantos estavam nas manifestações e tinham votado no Tiririca e se orgulhavam de dizer a seguinte frase: “O deputado em que eu votei não aparece nos escândalos de corrupção” Será que alguém disse isso? Para um paulista que reclama do bolsa escola e do bolsa família e luta contra a corrupção, dizer que votou em um nordestino que não é corrupto é muito complexo. E quantos desses manifestantes se lembram em quem votou nas últimas eleições? Mais fácil proliferar ódio pelas redes sociais e sair quebrando tudo pelas ruas mesmo.

Fui furtado sim! Levaram as bicicletas que moviam o projeto Desbikelando. Mas também fui furtado pelo jogo de interesses no poder que move esse país. Não sei como resolver esses problemas. Gostaria de saber e poder, mas não sei. Só acredito que seja falando somente o que se sabe e pensando um pouco mais à frente. Em política, o imediatismo nos faz esquecer em quem votamos e que somos responsáveis por tudo o que está acontecendo.

Agradecimento

Em meio a todo esse caos político, o projeto Desbikelando quase se transformou em Despedalando. Levaram as bikes travadas atrás de dois portões, de dentro de um condomínio fechado como passe de mágica. Ninguém viu e ninguém sabe. Ok! Muito obrigado ao ladrão. Que Deus abençoe e o perdoe.

O Desbikelando é um projeto que busca promover o debate ambiental e despertar a consciência ambiental do povo brasileiro. Atravessamos a famosa BR-230, conhecida popularmente como Transamazônica. Passamos por várias escolas em localidades muito simples, que nos impuseram dificuldades em atos corriqueiros como o que comer e onde dormir. Tivemos apoio pelas redes sociais e mídias durante o percurso. Mas eu sempre ficava com a pulga atrás da orelha ao pensar se as pessoas que nos apoiavam nas redes sociais estavam realmente preocupadas com o trabalho realizado pelo Desbikelando. Ao dizer que o projeto foi furtado e que não conseguiríamos reaver as bicicletas, fomos agraciados com inúmeras mensagens de apoio e contribuições financeiras. Esse fato me faz agradecer ao meliante. Graças a esse fato ganhei uma carga de energia positiva de pessoas que acreditam no trabalho do projeto. Muito obrigado mesmo pelo apoio de todos. Isso nos fortaleceu muito para continuar com o objetivo de elevar o debate ambiental pelo país com a importância que ele deve ter. E não precisaremos mais fazer um novo logo. O projeto continua se chamando Desbikelando

Pessoal do PIBID da UECE que ajudou na promoção das oficinas de construção de Poesias e Músicas na Educação Ambinetal


O pessoal do PIBID da UECE que nos ajudou nas oficinas de criação de músicas e poesias nas escolas João Mattos e Diva Cabral

Em Paulino Neves-MA um exemplo de que o tempo passa bem devagar.

Crianças que brincam nas ruas sem celulares.

Casa na Beira da Transamazônica (BR-230) que nos abrigou. Outro exemplo de tempo que passa lentamente.

Criança Brincando de cavalo de pau na rua.

Casa na beira da estrada entre o Maranhão e o Piauí em que pedimos água e ganhamos dois livros. 

Pausa para a foto na escola Diva Cabral.

Lagoinha-MA. Crianças brincando sem gastar as vidas virtuais e sem pressa.

Bate-bola de fim de tarde em Tutóia-Ma. Aqui o tempo passa bem lento.

O Sossego mora aqui em Paulino Neves-Ma

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